segunda-feira, 28 de setembro de 2009

V Simpósio de Doença Falciforme, o Blog do CBH conversou com o professor José Nélio Januário.


O V Simpósio de Doença Falciforme acontece entre os dias 3 e 7 de outubro em Belo Horizonte. A organização espera por 800 participantes. O Blog do CBH conversou com o professor José Nélio Januário.

1) Qual o objetivo de se realizar o V Simpósio de Doença Falciforme em Belo Horizonte?

A decisão de Belo Horizonte sediar o V Simpósio ocorreu durante o IV Simpósio, no Rio de Janeiro. O objetivo é destacar aos avanços no tratamento da doença, principalmente àqueles de maior impacto no controle das complicações, como é o caso da terapia celular. Outro objetivo importante é dar o devido destaque à forma como o país vem organizando seus serviços no sentido de possibilitar uma atenção integral à pessoa com doença falciforme.

2) Qual a expectativa para o evento?

Pelo movimento das inscrições, teremos representantes da maioria dos estados brasileiros - o público deve girar em torno de 800 participantes. Uma das grandes expectativas é estreitar as relações de cooperação técnica e científica com os países da África, região onde a doença é muito prevalente. Em Gana e Benin, por exemplo, a incidência é de um caso para cada 50 nascimentos. E não estamos falando de traço falciforme, e sim de pessoas com a doença. O número de especialistas africanos deve chegar a 40, e incluindo a participação de norte-americanos e europeus, o número de participantes estrangeiros chega facilmente a 70 pessoas. E isso é importante também porque esta forte participação estrangeira contou também com apoio significativo da Agência Brasileira de Cooperação, do Ministério de Relações Exteriores do Brasil.

3) Atualmente quantos estados já incluíram no teste do pezinho o exame para detectar a anemia falciforme?

A cobertura nacional da triagem neonatal para a detecção da doença falciforme em recém-nascidos gira em torno de 65%. Atualmente, quinze estados brasileiros realizam a triagem para doença falciforme (entre parênteses, destaque para o ano de credenciamento de cada um pela Portaria da SAS):

- Goiás, Bahia, Santa Catarina, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná (2001);
- Mato Grosso do Sul, Maranhão (2002);
- Rondônia (2005);
- Acre (2007);
- Alagoas(2008).

4) O que fazer para que os testes estejam disponíveis em todo o país?

A ampliação dos testes de triagem para doença falciforme para todo o país depende de uma maior integração das estruturas responsáveis pela triagem no Ministério da Saúde com as gestões estaduais que ainda não implantaram esta triagem. De fato, não consigo entender muito bem o que está ocorrendo, na medida em que a Portaria 822 de 2001 garante isto e todos os estados já fazem a triagem pelo menos para o hipotireoidismo congênito e a fenilcetonúria. Ou seja, o mais difícil está feito, que foi criar uma rede nacional de triagem neonatal. Obviamente, temos que reconhecer também que a parte assistencial para a doença falciforme é mais ampla e complexa em relação às outras doenças da triagem.

5) O senhor avalia que já existe a atenção devida, no Brasil, aos pacientes com
doença falciforme?

Apesar de todos os esforços e avanços já realizados no país, a doença falciforme, infelizmente, ainda não é muito visível no SUS - muito se fala da doença apenas quando o assunto envolve os calorosos debates étnico-raciais. E este discurso não tem sido acompanhado da ampliação e melhoria do nível da assistência concreta para estas pessoas.

6) Qual sua proposta?

A despeito do Ministério da Saúde financiar a triagem neonatal e disponibilizar alguns medicamentos específicos - principalmente o quelante oral, agora - a parte do acompanhamento clínico ainda fica exclusivamente por conta dos estados. E isso criou desníveis consideráveis na qualidade da assistência prestada entre os estados que realizam a triagem para doença falciforme, pois depende do grau de interesse da gestão estadual em organizar os fluxos e referências para o tratamento.

Através de projetos especiais, a atuação da Coordenação da Política Nacional de Sangue e Hemoderivados (CGSH) têm procurado, a partir de 2006, suprir esta deficiência - mas é um instrumento limitado quando se trata da organização de serviços de assistência ligados ao SUS.
A principal conquista desta atuação foi conferir maior visibilidade à doença junto ao sistema formal de saúde - fato esse que conseguiu até reconhecimento internacional -, mas ainda resta muito a fazer neste sentido. Questões centrais como a triagem, por exemplo, não dependem de decisões por parte da CGSH e sim de outras estruturas do Ministério da Saúde.

Enfim, a forma de financiamento da triagem pelo SUS necessita de uma profunda reformulação, à medida que os recursos são dirigidos somente para o pagamento de testes laboratoriais, ignorando gastos com a gestão da assistência para o tratamento e acompanhamento - que também são uma responsabilidade dos Serviços de Referência em Triagem Neonatal e se avolumam à medida que o número de crianças positivas aumenta

7) É possível detectar quantos pacientes tem doença falciforme no país e na América?

Estima-se para o Brasil um número total em torno de 60.000 pacientes, com aproximadamente 2.000 recém-nascidos por ano. Nos Estados Unidos estima-se um total de 100.000 pacientes, mas mesmo lá não existe ainda uma estatística segura a respeito.

8) Existe algum país, na América, que tenha maior ou melhor estrutura pública do que o Brasil para tratar esses pacientes?

Não. No plano internacional, inclusive, seguramente o Brasil é o país com a melhor assistência para a doença falciforme. Tivemos a oportunidade de visitar alguns dos mais modernos centros norte-americanos para atenção à doença falciforme - que anteriormente eram denominados como “Comprehensive Sickle Cell Centers”. Somente 10% dos pacientes têm alguma forma de cobertura assistencial pública e gratuita, que depende da inserção em projetos de pesquisa, geralmente financiados pelo National Institutes of Health (NIH). Os demais pacientes dependem de planos privados de saúde. Portanto, o Brasil está muito à frente nesse sentido, mesmo com todas nossas dificuldades.

9) Eventos como esses servem para pressionar os governos estaduais e federal a melhorarem suas políticas de atendimento aos pacientes?

Sem dúvida. O próprio Ministério da Saúde reconhece isso, inclusive, pois é o patrocinador oficial deste evento e também foi de uma série de outros, mais localizados, que ocorreram nos últimos anos.

Site oficial do evento:
http://www.cehmob.org.br/simposio/

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