terça-feira, 16 de junho de 2009

Há 29 anos, o Brasil proibia a "doação" de sangue remunerada

Vários profissionais foram responsáveis por essa mudança no país, entre
eles, os professores doutores Luiz Gastão Rosenfeld, Jacob Rosenblit,
Nelson Hamerschlak e Leonel Szterling, que formaram ao lado do doutor Celso
Guerra, a linha de frente para criar a doação de sangue voluntária. O
Blog do CBH conversou com o doutor Nelson Hamerschlak, um dos líderes
desse “movimento”. Colaborou com as perguntas, o diretor médico do
Hemocentro de Ribeirão Preto Gil De Santis.

Blog do CBH - Por que impedir a doação remunerada? A iniciativa foi
baseada em quais exemplos?
Hamerschlak - Infelizmente, no Brasil, antes de 1980, a principal forma de
doação de sangue era remunerada. Aqui, os doadores não só eram
remunerados como faziam disto atividade profissional, doando mais de uma
vez no período permitido em mais de um banco de sangue e omitindo
informações epidemiológicas importantes. Este fato não era
exclusividade nosso, outros países também tinham doação remunerada,
mas, geralmente, com estudantes. Nos Estados Unidos entre as décadas de 60
e 70 também havia a remuneração. O exemplo deles em chegar à doação
altruísta através de doações familiares ou de reposição foi a forma
que escolhemos. Um grupo de hematologistas e hemoterapeutas brasileiros,
liderados pelo Prof Dr Celso Carlos de Campos Guerra, então presidente da
Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia foi o desencadeador deste
modelo no Brasil.

Blog do CBH -
Como foi à luta para acabar com a doação de sangue
remunerada? Houve resistência? De quem?
Hamerschlak - Contamos com muita ajuda. Apenas para citar algumas, a
Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, a Associação Médica
Brasileira, a Associação Paulista de Medicina, a Associação Paulista de
Propaganda e a Associação Brasileira de Relações Públicas. A
estratégia que encontramos foi reunir os hematologistas por região,
convocar a imprensa e entidades representativas locais e marcar uma data.
Até a data escolhida, uma campanha publicitária e de relações públicas
foi desenvolvida com informações à população divulgando que a partir
de então todas as doações de sangue seriam comunitárias ou feitas em
nome de algum paciente (reposição). Numa fase inicial, em primeiro de
junho de 1980, todos os bancos de sangue, hemocentros e hospitais do Brasil
somente colheriam de doadores voluntários familiares, de reposição, mas
já sabíamos o que queríamos para o futuro: o doador altruísta de
repetição. A campanha teve, por um lado, o sinergismo da criação do
Programa do governo (PRÓSANGUE) com a implantação dos hemocentros e, por
outro lado, a resistência de alguns serviços que coletavam plasma
exclusivamente para a indústria e que, portanto, não teriam como
sobreviver.

Blog do CBH - Em algum momento, o senhor temeu pelos estoques de sangue no
país?
Hamerschlak - Não, sempre fomos otimistas e esta era uma
preocupação pequena. Quem conviveu com o Dr Celso Guerra sabe que
pessimismo não fazia parte de seu vocabulário. De qualquer forma, tomamos
todos os cuidados possíveis, como divulgação via imprensa, empresas e
entidades de classe. A surpresa foi que houve mais doações do que antes.

Blog do CBH - O que o senhor pensa de leis que garantem algum favorecimento
aos doadores? Ex. Inscrição gratuita para concursos públicos,
atendimentos preferenciais etc.
Hamerschlak - Pessoalmente, acho que é uma espécie de remuneração.
Prefiro o apelo pelo bem do próximo. Eu mesmo sou doador de sangue e
plaquetas. O exemplo de diversas instituições de nosso País mostra que
não precisamos devolver nada aos doadores. Basta ver o REDOME e doadores
de medula óssea. Estamos comemorando 1 milhão e não é para doar sangue,
é para doar medula óssea em um centro cirúrgico. Isto mostra que nós
brasileiros estamos suficientemente sensibilizados, basta que mantenhamos
campanhas educativas permanentes.

Blog do CBH - O senhor considera que hoje, com métodos mais sensíveis de
detectar doenças infecciosas a doação remunerada poderia ser novamente
permitida?
Hamerschlak - Acho um retrocesso, mesmo para obtenção de matéria prima
para a nossa futura indústria de hemoderivados, creio que podemos ser
inventivos para não incorrermos em erros do passado.

Blog do CBH - Quais os novos desafios relacionados à doação de sangue e
à seleção dos doadores?
Hamerschlak - Creio que o principal desafio é ampliarmos o número de
doadores dedicados, doadores de repetição uma vez que está claro que
estes são infinitamente mais seguros. Seria interessante também uma
campanha para aumentar doadores por aféreses.

Blog do CBH- E sobre o cadastramento para doação de medula óssea? Ele
deve obedecer aos mesmos princípios da doação de sangue?
Hamerschlak - Sim, hoje é feito desta forma e creio que vem funcionando
bem.

Blog do CBH - Qual o papel da SBHH/CBH no futuro da hemoterapia brasileira?
Por que as sociedades anteriormente referidas não estabeleceram diretrizes
sobre vários aspectos da hemoterapia? Essa eventual omissão poderia
explicar a emissão pela ANVISA de normas e resoluções sobre, por
exemplo, as indicações de hemocomponentes?
Hamerschlak - Creio que são papéis diferentes. A SBHH/CBH, atual ABHH,
tem como função estabelecer diretrizes e atuar de forma educacional. A
ANVISA é órgão normativo e de fiscalização. Temos que tomar cuidado
para não superposicioná-las, estas entidades devem colaborar umas com as
outras.

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